O AMOR E UM GRANDE MEDO



O ambiente é dominado pela lógica do tipo masculina, a que aprendemos para nos preservar quando nossa fantasia de machos triunfantes é ameaçada. Tudo organizado para que os afetos não apareçam. O cheiro é de traição, suspeita e morte. Tramam contra o Mestre. Ele vai morrer. Mas ninguém se queixa. Ninguém chora. Ninguém se descontrola e ama.

Dentro da casa, graças à superficialidade, quem sabe mantida pelos grandes temas, sempre tão acima do chão doído da vida, o grito desesperado da alma não é indomável. O heroísmo é a vitória da fleuma e toda indiferença é uma bravura. Coragem demais para não deixar por menos.


O silêncio dos afetos, tão bem calado pelos grandes, sérios e generalíssimos assuntos, é interrompido pelo ruído desastrado da cerâmica em cacos. Após o som inesperado segue o cheiro doce que queima as narinas. O amor desorganiza. No chão, os cacos, nas mãos afoitas de uma extravagante, o perfume irreversível embalsama o que ainda vive. Há uma Maria cujo maior medo vence todos os demais: de não ter amado muito. Porque todo amor é um grande medo. Medo demais para não viver demais.


Mas a razão moral é a presunção de que se pode restaurar a ordem e recolher os afetos. O que a mulher fez foi um desperdício, uma imoralidade. Todos a repreendem como que se fosse possível juntar os cacos e reverter o perfume derramado. O reverso do reverso. A culpa que mata para que a vida volte a ter ordem.


Jesus, liberto das superfícies lustradas como o perfume da garrafa, sai em socorro de sua redentora. Deixem-na em paz. Ela fez o que pôde. Porque o amor não é o dever dos virtuosos, mas a possibilidade dos fracos. É a vida intensificada pelo desespero. E desesperar é poder não esperar mais.


Amar é tocar com a intensidade de quem o faz pela última vez. Quem ama embalsama em cada toque.


Como no bolero. Besame, besame mucho, como si fuera esta noche la ultima vez. Besame mucho, que tengo miedo perderte, perderte después.(...)Piensa que talvez mañana yo estaré lejos, muy lejos de ti. (Consuelo Velásquez)
 by Elienai Cabral jr


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